História da Amazônia: trajetória de perdas e danos.

 

Fonte CNBB.org

Bispo falou sobre realidade da região, durante Simpósio na Áustria

O arcebispo de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Roque Paloschi, participou de um Simpósio, em Viena, na Áustria, sobre a criação e os povos mais fragilizados, à luz da encíclica Laudato Si do papa Francisco. O evento reuniu entidades ligadas à Igreja Católica entre os dias 22 e 24 de julho. Em sua fala, dom Roque tratou da história da Amazônia como uma “trajetória de perdas e danos”.

“A história da região amazônica, desde a chegada dos primeiros europeus até os dias atuais, tem sido uma trajetória de perdas e danos. A Amazônia é vítima daquilo que ela tem de mais especial: sua magia, sua sociobiodiversidade, sua exuberância e sua riqueza. Podemos dizer sem medo de erro: a Amazônia foi sempre mais rentável e útil economicamente à Metrópole, no passado, e hoje à Federação e, sobretudo, ao capital internacional, do que para os seus próprios habitantes, pois os povos originários e as comunidades tradicionais mantinham e mantêm uma forma de convívio integrado com a biodiversidade amazônica”, disse o bispo.

Dom Roque atendeu ao convite de entidades ligadas à Igreja da Áustria que estão debatendo sobre a questão da Casa Comum. Ao lado de um bispo do Congo, que falou sobre a bacia do Congo, dom Roque abordou  a questão amazônica.

O presidente do Cimi tratou da realidade da Amazônia e o “grande preconceito dessa avalanche de projetos movidos pela ganancia do ter, do dinheiro nacional e internacional que está destruindo o ambiente e, sobretudo a esperança dos pobres que vivem na Amazônia”.

Colonização

Dom Roque fez um retrospecto na história da Amazônia, ao recordar a chegada do espanhol Vicente Pinzon à região em janeiro de 1500. “Desde o primeiro colonizador a pisar este território, a ideologia dominante era que os povos que aqui viviam eram bárbaros e selvagens, que não possuíam cultura e que não tinham alma. Ao contrário de tudo o que conheciam como parte do mundo, esta era uma região habitada por inúmeros povos e culturas”, pontou.

As crônicas dos colonizadores e visões equivocadas geraram, de acordo com o bispo, “uma série de preconceitos que perdura até os dias atuais em relação aos povos amazônidas”.

Exploração

A exploração foi outro tópico da fala de dom Roque Paloschi no evento. Riquezas mineral e geração de energia elétrica são alguns dos principais interesses na região. Tais atividades causam conflitos e sustentam a prática de que “a Amazônia tem gerado sempre mais recursos para fora do que tem recebido como retorno“.

“O avanço capitalista sobre a Amazônia é como uma fera, quase indomável. Motosserras e tratores fazem parte de programas oficiais de devastação”, conta dom Roque.

Ao mesmo tempo em que a Amazônia é palco de exploração, é também palco de inúmeras lutas de resistência e afirmação, ponderou o bispo, que deu exemplos de ações em busca do “bem-viver”.

Equívocos e preconceitos

De acordo com dom Roque, a lógica da exploração, que pressupõe que a região seja resistente, superabundante, auto recuperável e inesgotável, “não corresponde à realidade”. “Trata-se de um complexo macrossistema homogêneo de floresta, rios e igarapés em toda a sua extensão. Sua maior riqueza, justamente a sua biodiversidade, tem sido ignorada, questionada e combatida sistemática e implacavelmente pelas políticas públicas”, diz.

O preconceito com a cultura das comunidades tradicionais é outra realidade enfrentada na Amazônia, onde povos originários são considerados empecilhos para o desenvolvimento da região.

As tentativas de “desindianizar” o território brasileiro também foram denunciadas por dom Roque Paloschi. Essas ações visam “implantar um modelo de civilização que não serviu a ninguém, senão aos poderosos”.

“O Estado brasileiro sempre apostou que os indígenas desapareceriam do território nacional, pois o projeto governamental de ‘integrar os índios à comunhão nacional’, sempre foi uma forma de usurpar seus territórios ancestrais, para fins econômicos. Mas a Constituição Federal de 1988, no artigo 231 ‘reconhece aos índios sua organização social, tradições, crenças e línguas…’, marcando uma nova perspectiva para os povos indígenas. Muitos povos indígenas considerados extintos reivindicam do Estado brasileiro o direito ao reconhecimento étnico e ao território tradicional”, pontua o arcebispo. .

Resistência dos povos

Além da visão de que a terra não lhes pertence, mas, sim, o contrário – não é possível na compreensão indígena a terra ser possuída, ela é parte intrínseca da pessoa – os índios brasileiros marcam a história da Amazônia com a resistência. Em sua palestra, dom Roque lembrou as mobilizações dos povos tradicionais na resistência ao modelo de desenvolvimento imposto e das lideranças que questionam e põem a vida em risco em favor de seu modo de vida.

“Os povos indígenas têm o direito de serem consultados e definirem livremente o caminho que querem seguir”, argumenta sobre os projetos de desenvolvimento.

“Os povos indígenas, com suas cosmovisões holísticas e culturas de reciprocidade, têm sido, há milênios, os guardiões da floresta, o Bem Viver (SumakKawsay) é um projeto de vida pautado na reciprocidade, complementariedade e no profundo respeito à mãe terra. Apesar de não serem reconhecidas e valorizadas nesse sentido, as imagens de satélite comprovam que as áreas mais preservadas na Amazônia são as terras indígenas”, explica.

A Igreja na defesa da terra

Encontro dos bispos na Amazônia (1952), Documento de Santarém (1972), criação do Cimi (década de 1970) e da Comissão Pastoral da Terra (1975), articulação da Rede Intercongregacional Um Grito pela Vida e a fundação da Rede Eclesial Pan-Amazônica. Esses eventos marcam a presença da Igreja na região com diversas iniciativas em favor das comunidades e dos territórios.

“Várias são as iniciativas da Igreja em defender a vida em suas múltiplas formas e, sobretudo o direito dos pobres, que neste sistema capitalista são considerados empecilhos para o desenvolvimento”, disse dom Roque, que lembrou a encíclica Laudato Si’, objeto de estudo do encontro.

Além das iniciativas, dom Roque também recordou as perseguições sofridas pelos povos indígenas e pelas entidades eclesiais no trabalho desenvolvido. O Cimi, por exemplo, é investigado por duas Comissões Parlamentares de Inquérito, uma na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul e outra na Câmara dos Deputados. “O Cimi é acusado pelos mesmos deputados flagrados em discursos de explícita incitação ao ódio e à violência contra os povos naquele estado. As perseguições, as ameaças, os ataques que o Cimi sofre cotidianamente mostram que estamos trilhando o caminho certo, pois o próprio Senhor Jesus chamou de bem-aventurados “os que são perseguidos por causa da justiça” prometendo-lhes o ‘Reino dos Céus'”, diz o arcebispo.

“Na luta pelo Cuidado da Casa Comum, todos os povos filhos da Mãe Terra são chamados a somar. Os povos indígenas são mestres e sábios nesta reciprocidade e solidariedade cuidadosa com a Casa Comum, Mãe Terra, e com todos os seres que nela habitam. Os povos indígenas são sementes de solução e fontes de esperança para a humanidade e o planeta”, analisa o bispo.

“A decisão é nossa: acolher os gritos da criação e de seus filhos e filhas ou destruirmos a Casa Comum em nome do lucro e do bem-estar de alguns poucos”, adverte dom Roque.

 

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